Davi e Golias
Descubra como os elefantes africanos, maiores animais terrestres do mundo, podem ser derrotados por formiguinhas de apenas 5 mg – e como elas se tornaram grandes defensoras de um tipo de acácia na savana africana.
Por: Manuela Andreoni
Publicado em 02/09/2010
Atualizado em 02/09/2010
Enquanto as formigas protegem as acácias do apetite dos elefantes, as árvores oferecem secreção de néctar para alimentá-las e abrigo entre seus espinhos (foto: Rob Pringle).
Que elefante tem medo de rato, nossa cultura de desenho animado permite saber. Agora, medo de formiga? Pois é, tamanho não é mesmo documento. Os zoólogos Jacob Goheen e Todd Palmer acabaram de demonstrar, em estudo publicado na revista americana Current Biology, como, nas savanas africanas, os maiores elefantes do mundo (Loxodonta africana) não comem as acácias em que vivem formigas.
“Parece que elefantes simplesmente não gostam de formigas passeando por dentro de suas trombas, e eu não posso dizer que os condeno por isso”, brinca Palmer, do Centro de Pesquisa Mpala, no Quênia, e da Universidade da Flórida, nos Estados Unidos, que estuda o assunto há 15 anos.
"Parece que elefantes simplesmente não gostam de formigas passeando por dentro de suas trombas"Segundo ele, por mais que a pele desses animais seja bastante dura, o interior das trombas é bem frágil. Como é com seus compridos ‘focinhos’ que esses mamíferos se alimentam, eles se tornam vulneráveis a insetos. “É o calcanhar de Aquiles deles”, completa o biólogo.
É raro encontrar um predador digno de um elefante africano. Recentemente, o documentário Planeta Terra, da BBC, mostrou como apenas os leões Savuti são especialistas em atacá-los.
O estudo dos zoólogos americanos foi elaborado quando eles notaram que, entre todas as plantas da savana, coalhada de elefantes, as únicas das quais os enormes mamíferos não chegavam perto era as Acacia drepanolobium (em inglês, Whistling Thorn, algo como espinho assobiante).
Seja qual for a planta anfitriã, as formigas agressivas protegem-na dos enormes elefantes (foto: Todd Palmer). A hipótese levantada pelos dois era que as formigas que ali habitavam – dos tipos Crematogaster mimosae, C. nigriceps, C. sjostedti e Tetraponera penzigi – tinham algo a ver com a história. Elas são espécies bastante agressivas e não podem se encontrar sem que uma destrua a outra.
Para comprovar a suposição ao estilo Davi e Golias, Palmer e Goheen retiraram as formigas das árvores. Sem as guardiãs, que pesam apenas 5 mg, os maiores animais terrestres do mundo atual – que podem ter entre seis e nove toneladas – passaram a degustar livremente a nova iguaria da savana.
A experiência contrária também foi testada. Quando colocadas em plantas que normalmente fariam parte da dieta dos elefantes, as formigas mais uma vez estragaram a festa.
“Os elefantes as evitaram como crianças evitam brócolis”, comentou Palmer sobre o experimento, ressaltando que isso não ocorre com outros herbívoros gigantes – como a girafa.
Os elefantes podem até pesar suas nove toneladas, mas as formiguinhas de 5 mg os atacam no ponto fraco: suas trombas, com interior muito sensível (foto: Jake Goheen).
Impacto no ecossistema
Apesar de os elefantes não estarem ameaçados de extinção, sua situação é considerada vulnerável. No entanto, de acordo com os pesquisadores, sua presença maciça causa um belo estrago no ecossistema dos planaltos quenianos, devido à destruição de plantas. Em média, um elefante consome 250 kg de alimento por dia.
A presença maciça dos elefantes causa um belo estrago no ecossistema dos planaltos quenianos, devido à destruição de plantasO estudo lembra que, em momentos em que a população do animal baixou tanto que eles chegaram a ser considerados espécies em perigo de extinção, as paisagens tipicamente abertas das savanas se tornaram praticamente florestas.
Ou seja, as pequenas formigas guardiãs são colaboradoras do equilíbrio do ecossistema da região. Pelo que os pesquisadores demonstraram, o número de acácias e formigas de um local não diminui com a presença de elefantes.
“A cobertura por árvores regula fortemente os processos do ecossistema, incluindo armazenamento de carbono, dinâmica de cadeia alimentar, circulação de nutrientes e relações do solo com a água. Sendo assim, esses pequenos guardiões provavelmente geram poderosos efeitos indiretos em grandes escalas de tempo e espaço”, escrevem os pesquisadores.
As formigas tampouco escolheram as árvores protegidas à toa. Há uma relação de simbiose entre elas e as acácias da savana. Enquanto os pequenos insetos protegem as plantas de herbívoros, as árvores provêm néctar, uma secreção doce, para as guardiãs. Além disso, as plantas oferecem abrigo em seus bulbos espinhosos para as formigas.
Segundo Goheen, autor principal do estudo, os próximos passos da equipe serão determinar o motivo pelo qual a simbiose entre as formigas e as acácias não acontecem em territórios arenosos. Além disso, os cientistas pesquisam os papéis de outros elementos, como queimadas e chuvas, no ciclo de vida das árvores na savana.
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