James Lovelock, "A Terra é um ser vivo do qual somos o sistema nervoso"
Por Eduardo AraiaFoi há quase meio século que Lovelock, na época com 42 anos, assumiu, algo por acaso, o destino de teórico da ciência – bem como o de semeador de encrencas. Ele era, então, um obscuro biofísico britânico, médico de formação, que concebera vários aparelhos engenhosos – “naqueles tempos, os cientistas fabricavam eles mesmos seus instrumentos, pois ninguém tinha dinheiro para comprá-los nas lojas”, recorda ele. Alguns desses aparelhos permitiam a detecção de substâncias em concentrações muito baixas, pelo método da cromatografia gasosa, e interessaram à Nasa, que então desenvolvia um programa de exploração de Marte. Para obter esses detectores, a agência norte-americana trouxe seu inventor, que chegou em 1961 ao Jet Propulsion Laboratory (JPL), na Califórnia, com a missão estritamente técnica de adaptar os aparelhos às exigências das naves espaciais.
Mas – traço indelével de seu caráter – o inventor logo resolveu se meter onde não era chamado. “Logo de cara, disse aos biólogos da Nasa que as experiências que eles planejavam eram ridículas: implicitamente, elas partiam do princípio de que as formas de vida em Marte seriam semelhantes àquelas do deserto da Califórnia!” O tom das discussões engrossou e Lovelock foi chamado ao escritório do diretor, furioso por causa do clima de conflito entre os biólogos que ele trouxera a peso de ouro para o JPL. “Você tem três dias para me trazer uma proposta construtiva”, ele disse a Lovelock.
Um sistema que favorece a vida
Três noites em claro mais tarde, Lovelock voltou ao JPL. Trazia um projeto ao mesmo tempo nebuloso e preciso. Sua ideia? Buscar uma “assinatura” global da vida, mais que dissecar algumas amostras demasiadamente locais. E a audácia de sustentar que, ao desvendarmos a composição química da atmosfera marciana pela análise da luz oriunda do Planeta Vermelho, poderíamos talvez perceber se essa atmosfera carrega a marca de seres que nela colhem nutrientes e nela lançam seus dejetos. Ou se, ao contrário, ali simplesmente nada acontece. A ideia de que um simples telescópio munido de um espectrofotômetro permitiria detectar a vida recolocava em questão todo o programa em curso. Os cientistas presentes imediatamente puseram cadeados nas portas, e solicitou-se ao sujeito que voltasse a seus instrumentos... e retomasse sua condição de homem livre e descompromissado o mais rapidamente possível.
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